ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Almanaque brasilidades: um inventário do Brasil popular

Luiz Antonio Simas
Editora Bazar do Tempo

O excerto a seguir pertence à obra Almanaque brasilidades: um inventário do Brasil popular, importante livro do historiador Luiz Antonio Simas.

Mães do samba

A participação feminina no ambiente das escolas de samba sempre foi determinante e se impôs como uma espécie de reflexo da própria condição e da experiência histórica das mulheres, sobretudo afrodescendentes, na sociedade brasileira.

Aparentemente, o protagonismo nas escolas de samba foi e é exercido pelos homens. Quem, todavia, mergulhar no mundo do samba e ir além da superfície, verá que, como diziam os antigos, debaixo desse angu tem caroço. As escolas de samba, em sua origem, se destacaram pelo caráter comunitário, definidor, inventor e renovador de identidades de grupos vistos historicamente como subalternos por parcelas significativas das elites brasileiras. O crítico musical Roberto M. Moura matou a charada no livro No princípio era a roda:

“Quando alguém se aproxima do samba, através da roda ou das escolas, dificilmente percebe seu caráter doméstico. Num e noutro caso, verá uma predominância do elemento masculino, que toca e canta. Mas se esse envolvimento evoluir, se a pessoa aprofundar essa aproximação, por certo descobrirá as raízes caseiras que estão por trás daqueles sons. [...] É como se o samba tivesse duas faces: a masculina, para o público externo, e a feminina, para os que são de casa.”

Indo além da citação, há que se considerar que, desde o início, as mulheres foram relevantes também do ponto de vista da música e da coreografia. Foram elas, nos tempos primordiais em que o perfil comunitário prevalecia e a visão empresarial nem sonhava se impor no ambiente das escolas, que sustentaram, sobretudo como pastoras ou baianas, alguns elementos fundamentais para o desempenho de uma agremiação – como o canto coral, a evolução e a harmonia. [...]

E são tantas as mulheres que merecem destaque que fica até difícil resumi-las a poucos nomes. Como não citar Dagmar do Surdo, a primeira mulher a furar o cerco masculino e tocar na bateria de sua escola; Amélia Pires, já na década de 1930, atuando como compositora na Unidos da Tijuca; Carmelita Brasil, fundadora, presidente e compositora da Unidos da Ponte e primeira mulher a assinar um samba-enredo que cruzou uma avenida de desfile, em 1958; Dona Ivone Lara, grande compositora e primeira a ter um samba de sua autoria cantado por uma grande escola (Império Serrano, 1965); Carmem Silvana, a pioneira imperiana que puxou na avenida o mítico samba-enredo Aquarela Brasileira (1964), do mestre Silas de Oliveira; e muitas outras que ainda hoje são líderes comunitárias e figuras exponenciais da cultura brasileira. [...]

SIMAS, Luiz Antonio. Almanaque brasilidades: um inventário do Brasil popular. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2018. p. 133-134.

Habilidade da BNCC

9º ano
(EF09HI04) Discutir a importância da participação da população negra na formação econômica, política e social do Brasil.