Estados Unidos: Estado Nacional e Narrativa da Nação (1776-1900)
Mary Anne Junqueira
Editora Edusp
O trecho a seguir faz parte do importante livro Estados Unidos: Estado Nacional e Narrativa da Nação (1776-1900), da historiadora Mary Anne Junqueira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Os pais da Nação
[...] No momento em que se constituía a identidade norte-americana, procurava-se uma origem única para uma cultura diversificada. E como falar do passado colonial, quando era exatamente com ele que queriam romper? Assim, recuperou-se do passado colonial apenas o grupo de peregrinos puritanos da Nova Inglaterra, e parte da nova nação foi vista como descendente direta desse grupo.
A história dos peregrinos [...]: no século XVII, os separatistas, um dos grupos religiosos mais radicais da Inglaterra, rompeu com a Igreja anglicana. A bordo do navio Mayflower, atravessaram o Atlântico em direção ao norte da colônia já estabelecida de Plymouth, onde depois seria a Nova Inglaterra. Receberam para isso carta patente da Virginia Company of London. Assim como comerciantes e aventureiros, viam possibilidade de lucro na região. As condições da região eram difíceis para os colonos. Alojaram-se ali, a despeito dos invernos inclementes.
Ao atravessar o oceano, os peregrinos se comparavam ao povo hebreu atravessando o mar Vermelho em busca da Terra Prometida; ou seja, eram o povo eleito por Deus que transformaria aquelas terras do Novo Mundo, onde poderiam exercer sua fé religiosa. A bordo da embarcação, os homens que comandavam a expedição fizeram uma espécie de acordo, conhecido como Mayflower Compact (Pacto do Mayflower). Estabeleceram que, onde se instalassem, as decisões que afetassem a todos seriam tomadas em conjunto, e os homens seriam sempre consultados.
Contudo, afinal, por que os homens que construíam a nação no século XIX – políticos, jornalistas, poetas, escritores – recuperaram os conhecidos pais peregrinos e deixaram de lado tantos outros grupos religiosos que fizeram o mundo colonial inglês? A resposta não é simples, mas certamente, em parte, relaciona-se ao fato de os peregrinos terem rompido com a monarquia inglesa e a Igreja anglicana ainda no início do século XVII. Exatamente a mesma proposta dos homens que construíam agora a nova nação: romper com a metrópole e criar um novo governo na América, garantindo transcendência ao novo projeto americano. [...]
Os pais fundadores eram vistos como herdeiros diretos dos peregrinos e, assim, estabeleceu-se uma espécie de mito a América. Eles cumpriram a profecia: o universo que surgia após a Independência era novo, moralmente sólido e com extraordinárias perspectivas pela frente. Como se os anos após a Independência fossem anos de um recomeço, partindo-se do zero. Era uma ruptura histórica, pois o mundo que erguiam ali seria o oposto da Europa. Um povo eleito por Deus mostraria para a humanidade como construir um país com base em princípios éticos e moralmente virtuosos: essa seria sua missão providencial. Consolidava-se a ideia de excepcionalismo norte-americano, isto é, uma nação com projeto único e esplendido. Tal qual um farol para o mundo, aqueles homens que acreditavam que estavam criando não só um sistema inédito como também de alcance universal. Uma criação única, modelo que iniciavam e que a humanidade, inevitavelmente, seguiria. Naquela perspectiva, era o único caminho moral possível, e qualquer outro modelo seria interpretado como estando em direção equivocada.
JUNQUEIRA, Mary Anne. Estados Unidos: Estado Nacional e Narrativa da Nação (1776-1900). São Paulo. Edusp, 2018. p. 44-45.Habilidade da BNCC
8º ano
(EF08HI06) Aplicar os conceitos de Estado, nação, território, governo e país para o entendimento de conflitos e tensões.