ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos

Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Org.)
Editora Companhia das Letras

O trecho a seguir, escrito por Roquinaldo Ferreira, pertence à obra Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos, organizada por Lilia M. Schwarcz e Flávio Gomes. O volume é constituído por 50 textos assinados por especialistas no assunto, como os estadunidenses Robert W. Slenes, Herbert S. Klein, Stuart B. Schwartz; e os brasileiros Luiz Felipe de Alencastro, Martha Abreu, Marcos J. M. de Carvalho e Hebe Mattos.

Os efeitos do tráfico atlântico na África

Na África, o tráfico atlântico produziu efeitos múltiplos e deletérios. No curto prazo, gerou centralização política, sobretudo em reinos africanos que dominaram o fornecimento de cativos para mercadores europeus na costa africana, assim como inevitável fragmentação política. À medida que poderes locais se fortaleciam, novos grupos se insurgiam contra as lideranças centrais. Ao estimular guerras e a expansão territorial entre reinos rivais, o tráfico gerou um quadro de instabilidade sistêmica nas sociedades africanas. Ao expor os africanos a redes de comércio responsáveis pela introdução de armas, têxteis e álcool, alimentou a escravização por débito. Através de guerras, sequestros ou métodos judiciais, produziu escravização crônica e difusa.

Nesse quadro, mudanças importantes se operaram no direito costumeiro africano, alterando a noção do que constituía transgressão e/ou crimes passíveis de escravização, que se ampliou de forma a satisfazer a necessidade de produzir mais e mais cativos para o Atlântico. Antes punidos com penas de multa ou prisão, crimes como roubo e adultério lastrearam a escravização de um número incalculável de africanos. Igualmente importante foi o desvirtuamento de múltiplas formas de dependência social tipicamente praticadas nas sociedades africanas. Em geral reversíveis, ou então porta de entrada para a integração social, acabaram se tornando veículos para produção de cativos para o tráfico. Esses processos eram, sobretudo, alimentados pelo débito estrutural gerado pelo consumo de mercadorias importadas através do Atlântico.

As regiões da África mais afetadas pelo tráfico de escravos foram a África Ocidental, conhecida nas fontes portuguesas como Costa da Mina, que se estendia entre Gana e Nigéria, e a África Central, que se estende do Gabão até o sul de Angola. No total, essas duas regiões responderam por quase 80% das vítimas do tráfico atlântico. [...]

Na Costa da Mina, a presença portuguesa foi hegemônica até meados do século XVII, quando a tomada do castelo de Elmina por forças holandesas marcou o início de um intenso processo de internacionalização do comércio atlântico. Em duas décadas, várias nações europeias (ingleses, dinamarqueses, prussianos, holandeses e suecos) se implantaram ao longo da costa, construindo uma séria de fortes e fortalezas para gerir o comércio costeiro de cativos. [...]

FERREIRA, Roquinaldo. África durante o comércio negreiro. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 53-54.

Habilidade da BNCC

7º ano
(EF07HI16) Analisar os mecanismos e as dinâmicas de comércio de escravizados em suas diferentes fases, identificando os agentes responsáveis pelo tráfico e as regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados.