ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos

Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Org.)
Editora Companhia das Letras

O trecho a seguir é parte do verbete “cidades escravistas” e foi escrito pelo historiador Marcus J. M. de Carvalho, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para o Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos, organizada por Lilia M. Schwarcz e Flávio Gomes.

Cidades escravistas

No passado, a escravidão urbana era interpretada como uma extensão, quase um apêndice, da escravidão rural. Estudos recentes mostram, porém, que a urbanização brasileira é indissociável da escravidão e do trabalho compulsório em geral. Nossas maiores cidades atlânticas africanizaram-se muito cedo, pois foi nelas que desembarcou a imensa maioria dos navios negreiros até a proibição do comércio atlântico de escravos, em 1831. Foi ao Recife (o porto de Olinda) e a Salvador que chegaram as primeiras levas de cativos para a América portuguesa, ainda no século XVI. Com a descoberta das minas, na década de 1690, a vinda da corte (em 1808) e a ascensão do café, o Rio de Janeiro tornou-se o maior porto do tráfico atlântico e a maior cidade escravista das Américas. As cidades foram, assim, o principal nexo com a África e tinham no comércio de gente escravizada seu negócio mais rentável.

A presença escrava é clara nos censos, apesar da subcontagem dos cativos, pois os proprietários evitavam revelar suas posses, temendo ser taxados. Na época da independência, dos 112 mil habitantes do Rio de Janeiro, praticamente metade, 55 mil, era de cativos. Em 1849, a população livre havia triplicado, chegando a 144 mil pessoas, mas o número de cativos dobrara. Eram mais de 110 mil, mesmo levando-se em conta que, depois que o tráfico tornou-se ilegal, em 1831, a subcontagem agravou-se; ninguém queria revelar a posse de africanos contrabandeados. Dos 65 500 habitantes de Salvador em 1842, 27 500, ou seja, 42%, eram cativos. Mesmo um decadente Recife, por volta de 1828, possuía 7 935 cativos em seus bairros centrais: 31% dos 25 678 habitantes da sua parte mais urbanizada. Até Porto Alegre, quase à margem do tráfico atlântico de escravos, mas enriquecida com o charque, em 1856 contava com o mesmo percentual de cativos do Recife de 1828: 30%. No auge do ouro, nos anos 1720, entre metade e dois terços da população de Vila Rica era cativa. [...]

CARVALHO, Marcus J. M. de. Cidades escravistas. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 156-157.

Habilidade da BNCC

8º ano
(EF08HI19) Formular questionamentos sobre o legado da escravidão nas Américas, com base na seleção e consulta de fontes de diferentes naturezas.