ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Uma história do negro no Brasil

Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho
Centro de Estudos Afro-Orientais e Fundação Cultural Palmares

O excerto a seguir faz parte da importante obra Uma história do negro no Brasil, dos historiadores Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho.

O centenário da Abolição e a mobilização negra

[...] O centenário da Abolição em 1988 foi um momento em que a questão racial ficou mais evidente. Graças à mobilização negra o centenário foi marcado pela intensificação do debate sobre identidade racial e pelo protesto contra a marginalização dos negros na sociedade brasileira.

A militância negra da década de 1980 passou a questionar, com vigor, a versão oficial da Abolição que exaltava muito mais a bondade e a caridade da princesa Isabel do que a luta dos escravos para conquistar a liberdade. Ao mesmo tempo, não parecia fazer sentido comemorar a Abolição se a maioria da população negra continuava relegada a péssimas condições de vida. Com o objetivo de resgatar o espírito de luta e enaltecer a resistência, as organizações negras passaram a rejeitar o 13 de Maio.

Entretanto, a data continuou importante para irmandades religiosas, cultos afro-brasileiros e comunidades quilombolas, dentre outros grupos. A celebração continuava (e continua em muitos lugares) importante, sobretudo para as gerações mais velhas. Para estes o 13 de Maio é o momento de celebrar a efetiva participação dos negros no desmonte da escravidão.

Quando em 1985 o governo federal anunciou que pretendia organizar uma série de palestras, exposições de arte, shows e outros eventos para celebrar o centenário da Abolição, as entidades do movimento negro incitaram um debate que envolveu intelectuais, líderes religiosos, carnavalescos, políticos e jornalistas em torno dos propósitos daquela celebração. Militantes negros de todo o Brasil se posicionaram contra qualquer tipo de evento pelo 13 de Maio. Sob pressão, a prefeitura de Salvador e o governo do estado da Bahia desistiram das atividades já planejadas para o centenário. Para marcar o protesto, as entidades negras organizaram em Salvador, no dia 12 de maio, uma passeata chamada de “Cem Anos Sem Abolição”, e nessa ocasião um retrato da princesa Isabel foi queimado.

Um evento do mesmo tipo foi organizado no Rio de Janeiro. Aqui as autoridades puseram 750 policiais nas ruas para evitar que a passeata passasse em frente a um monumento em homenagem a Duque de Caxias. No confronto com a polícia dois líderes sindicais foram presos e representantes de entidades negras foram impedidos de se pronunciar durante a manifestação. Esse episódio teve grande repercussão na imprensa e contribuiu para um questionamento mais radical sobre o mito da democracia racial brasileira.

Depois do centenário da Abolição, diversos grupos do movimento negro passaram a incorporar o 13 de Maio ao calendário das discussões sobre racismo no Brasil. Já o 20 de Novembro, data da morte de Zumbi de Palmares, foi instituído como Dia Nacional da Consciência Negra. O uso enfático do termo negro, em detrimento das palavras mestiço ou mulato, nos muitos eventos relativos àquele centenário foi um indicativo do redimensionamento da questão racial no Brasil. A exaltação da beleza negra, do heroísmo de Zumbi e das lutas do povo negro demonstrava o empenho da militância em transformar o ano de 1988 num marco no processo de valorização da negritude e de combate ao racismo.

A principal estratégia das organizações negras durante as manifestações públicas, atividades acadêmicas e solenidades do centenário foi enaltecer a cultura negra, definida como a continuidade de tradições africanas e símbolo da resistência, além de denunciar a desigualdade social e econômica. Toda essa movimentação negra na década de 1980 teve repercussão política. Desde 1988 a Constituição Federal prevê que a prática de racismo é crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão. Isso quer dizer que o agressor não pode ser solto com o pagamento de fiança e pode ser preso mesmo quando já se tiver passado muito tempo do crime. Com isso, foi revogada a Lei 1.390/51, conhecida como Lei Afonso Arinos, que punia mais brandamente atitudes racistas.

Em 1989 foi promulgada a Lei 7.716/89, conhecida como Lei Caó por ter sido proposta pelo deputado negro Carlos Alberto de Oliveira, conhecido como Caó. Esta é a única lei que define práticas de crime de racismo no Brasil, das quais os negros são as maiores vítimas. A Lei Caó torna evidente o quanto é importante a presença de negros em cargos públicos. O aumento significativo da presença na vida política brasileira de negros identificados com a causa antirracista foi outra decorrência importante da ação conscientizadora dos movimentos negros. Entre esses políticos que assumiram cargos nos poderes legislativos e executivos não se pode deixar de lembrar os nomes do senador Abdias do Nascimento, da senadora e governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva, dos deputados federais Luiz Alberto, Paulo Paim, Francisca Trindade e outros, apenas para falar de alguns com projeção nacional.

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 295-297.

Habilidades da BNCC

9º ano
(EF09HI04) Discutir a importância da participação da população negra na formação econômica, política e social do Brasil.
(EF09HI23) Identificar direitos civis, políticos e sociais expressos na Constituição de 1988 e relacioná-los à noção de cidadania e ao pacto da sociedade brasileira de combate a diversas formas de preconceito, como o racismo.