ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Arqueologia da Amazônia

Eduardo Góes Neves
Editora Jorge Zahar

O excerto a seguir, do historiador e arqueólogo Eduardo Góes Neves, aborda o processo de domesticação de plantas na região da Amazônia.

A transição para a agricultura e o início da produção cerâmica

Uma das maiores contribuições dos índios das Américas para a humanidade foi a domesticação de uma série de plantas que atualmente são consumidas de diferentes modos por todo o planeta. A lista é grande e será aqui parcialmente mencionada, em ordem alfabética: abacate, abacaxi, abóbora, amendoim, batata, caju, feijão, mamão, mandioca, maracujá, milho, pimenta-vermelha, pupunha, tabaco e tomate, entre outros, foram domesticados em diferentes partes do continente americano muito antes da chegada dos europeus. Como quase tudo em arqueologia, há um grande debate sobre a antiguidade do início desse processo, mas é provável que os colonizadores iniciais – que tinham seu modo de vida organizado em torno de caça, pesca e coleta – já praticassem algum tipo de manejo de plantas, conforme dados obtidos, por exemplo, na Amazônia equatoriana. A domesticação de plantas deve ser entendida como um processo a partir do qual algumas espécies selvagens são manipuladas com o objetivo de destacar algumas de suas características. [...] Assim, por exemplo, o processo de domesticação da mandioca envolveu a manipulação de espécies selvagens com o objetivo de desenvolver variedades com raízes mais grossas e longas, já que esta é a parte da planta que é consumida.

Do mesmo modo, a domesticação da pupunha – uma espécie de palmeira cujos frutos, do tamanho de uma ameixa, são amplamente consumidos na Amazônia e em outros países da América do Sul e Central – envolveu um processo de seleção que privilegiou, ao longo do tempo, as variedades com frutos maiores. O processo de seleção intencional que leva à domesticação de uma planta é bastante longo, com duração de muitas décadas ou mesmo séculos. Nesse sentido, a agricultura não foi “inventada” por alguns poucos indivíduos. Ao contrário, resulta de processos longos e cumulativos no decorrer dos quais a seleção intencional de características morfológicas acaba por levar ao surgimento de novas espécies, aparentadas às espécies selvagens das quais se originaram. É óbvio que hoje isso mudou. Basta, por exemplo, ver as fortunas investidas por grandes laboratórios internacionais no desenvolvimento de espécies transgênicas.

[...] A mandioca [...] foi domesticada na Amazônia e atualmente é consumida em larga escala pela América Latina, Caribe, África e Ásia. Ela é tão dependente dos seres humanos para se reproduzir que muitas variedades já perderam a capacidade de lançar sementes no solo. Nesses casos, é necessário que talos do galho sejam quebrados e plantados pelos agricultores. Por outro lado, é correto afirmar que muitas populações do mundo em desenvolvimento provavelmente teriam dificuldades nutricionais ainda piores sem o cultivo de mandioca. Esse exemplo é ilustrativo e impressionante, já que os índios – provavelmente as índias – do passado desenvolveram uma tecnologia sofisticada, baseada no uso de vários instrumentos, como o ralador, o tipiti e o cumatá, que transforma uma planta extremamente venenosa em vários produtos importantes, como o beiju, a farinha, a tapioca e o caxiri.

NEVES, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 31-34.

Habilidade da BNCC

6º ano
(EF06HI05) Descrever modificações da natureza e da paisagem realizadas por diferentes tipos de sociedade, com destaque para os povos indígenas originários e povos africanos, e discutir a natureza e a lógica das transformações ocorridas.