ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Renascimentos: um ou muitos?

Jack Goody
Editora Unesp

O trecho a seguir pertence ao livro Renascimentos: um ou muitos?, escrito por Jack Goody – antropólogo britânico e professor da Universidade de Cambridge.

As renascenças foram apenas europeias?

O Renascimento italiano foi o único? Historicamente, para a Europa, é claro que foi. Mas sociologicamente? Há duas importantes características num renascimento ou renascimentos: um olhar para o passado e uma florescência. Da perspectiva transcultural, esses fenômenos não são necessariamente coincidentes. [...]

Do ponto de vista histórico, o Renascimento italiano foi o único. Sociologicamente, no entanto, devemos vê-lo não apenas como uma experiência europeia, mas como a experiência de uma classe maior de eventos que ocorre em todas as culturas letradas e envolve tanto um olhar retrospectivo quanto um salto para frente, nem sempre combinados em um único evento. Períodos de florescência não foram raros nas sociedades letradas (e são conhecidos com frequência como “eras douradas”), mas a velocidade da mudança cultural é afetada, é claro, pelo modo de comunicação; o ir em frente nem sempre – mas com frequência – envolve um olhar retrospectivo. Mesmo na Europa, o Renascimento italiano não foi o primeiro desses períodos. Se o humanista europeu afirma ter “reformado o mundo” olhando para a literatura clássica que havia sido desprezada, o que isso nos diz a respeito do Renascimento ou do mundo? O Renascimento não foi único ou humanista no sentido de uma revivificação da literatura antiga.

Isso aconteceu em outros lugares e em função do letramento. [...]

Usar o termo “Renascimento” ou “renascença” no Ocidente implica conceber a história europeia como um processo cultural mais ou menos contínuo desde os tempos antigos, antecedido de um período de eclipse, uma espécie de depressão histórica, durante o qual a cultura perdeu o seu rumo natural, mas do qual se recuperou após uma transição (para o “capitalismo”), fluindo mais uma vez por onde se esperava, com mais sabedoria e vigor renovado. As consequências dessa visão – e não saberíamos enfatizar o suficiente como essa interpretação poderosa está entranhada no próprio uso do “Renascimento” capitalizado – são várias. Em primeiro lugar, ela assegura o monopólio europeu sobre as realizações da Antiguidade. [...] Embora a Europa necessitasse reviver o conhecimento antigo (porque desapareceu em grande parte ou permaneceu oculto durante a Idade Média), este sobreviveu em traduções árabes fora do continente. Mas a Europa reivindicava a herança da Antiguidade grega e romana, que, por essa maneira de ver, ela havia emprestado aos outros, digamos, para mantê-la segura durante a Idade Média. Às vezes essa crença é abraçada sem rodeios, ou apenas permanece implícita na terminologia que usamos, mas, de todo modo, desconsidera o fato de que, no que se refere à Antiguidade grega, o norte da Europa como o conhecemos hoje mal existia – seu mundo era sobretudo mediterrâneo e estendia-se até o Oriente Médio e a Pérsia. Mas, além de herdeira de seus triunfos e candidata a sua revitalização, a historiografia europeia criou o mundo antigo como seu ancestral único e dominante. [...]

Renascimentos de culturas remontam a tempos muitos antigos que a história registrada. [...]

Em tempos mais recentes, encontramos outras renascenças ou florescências nas sociedades letradas da Eurásia. Não examinamos em detalhes as histórias do Japão ou da Pérsia, ambas sociedades letradas, apesar de as termos mencionado, mas na China, na Índia e no Islã ocorreram períodos de florescência similares e o termo Renascimento foi usado algumas vezes.

GOODY, Jack. Renascimentos: um ou muitos? São Paulo: Unesp, 2011. p. 283-288.

Habilidades da BNCC

7º ano
(EF07HI01) Explicar o significado de “modernidade” e suas lógicas de inclusão e exclusão, com base em uma concepção europeia.
(EF07HI04) Identificar as principais características dos Humanismos e dos Renascimentos e analisar seus significados.