Cinco visões sobre os 130 anos da abolição
Beatriz Maia
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/05/14/cinco-visoes-sobre-os-130-anos-da-abolicao
O trecho a seguir pertence à publicação do Jornal da Unicamp e foi escrito pela jornalista Beatriz Maia em entrevista com alguns historiadores a respeito dos 130 anos da abolição da escravidão no Brasil.
Sancionada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea – oficialmente Lei Imperial 3.353 –, aboliu a escravidão depois de mais de três séculos de trabalho forçado no Brasil. Em maio de 2018, marco dos 130 anos da assinatura do documento, o Jornal da Unicamp entrevistou [...] historiadores que realizaram suas pesquisas de doutorado junto ao Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult) da Universidade. [...]
Protagonismo negro
Para a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, professora da Universidade de Brasília (UnB), o 13 de maio tem desencadeado intensas disputas de narrativas ao longo do tempo. Se, por um lado, o fim da legalidade da escravidão é um marco importante, por outro, a fragilidade crônica da cidadania para pessoas negras, já bem antes da abolição, faz com que as reflexões em torno da data não possam ser feitas em tom de simples comemorações. “O preconceito de cor, [...] o racismo, têm figurado como elemento estruturante da sociabilidade brasileira e da formação de suas instituições”, defende.
A historiadora argumenta que o Brasil é um país em que a experiência de nacionalidade foi encaminhada mediante esforços sucessivos de subalternização e da negação das possibilidades de acesso aos direitos de mulheres e homens negros. Se por muito tempo se tentou negar as heranças nefastas do passado escravista de nossa sociedade, vivemos um momento da afirmação na produção acadêmica do protagonismo negro na luta pela liberdade, em contraponto à versão hegemonizada do 13 de maio como concessão imperial. “Uma conquista importante tem sido alcançada mediante os resultados de pesquisas que estabelecem diálogos com o passado em outros termos. Entre essas novas possibilidades, destacam-se os estudos sobre liberdade e pós-abolição”, afirma.
Ana Flávia retoma a participação importante de abolicionistas negros nas discussões do final do século XIX, que formularam projetos para o fim da escravidão e se posicionaram sobre as possibilidades de universalização da cidadania para todos os brasileiros. Figuras como Ferreira de Menezes, Luiz Gama, Machado de Assis, José do Patrocínio, Vicente de Souza, André Rebouças, entre tantos outros, refletiram a respeito das experiências da racialização e do racismo, e questionaram a viabilidade e a legitimidade de projetos de nação formulados pelas elites nacionais. “Essas informações são bastante relevantes no atual cenário, sobretudo para que possamos questionar a ideia de invisibilidade e ausência de homens e mulheres negras nas lutas políticas e institucionalizadas pelo fim da escravidão e outras agendas da cidadania no Brasil. O fato de projetos conservadores terem prevalecido sobre outros não pode ser entendido como a inexistência de outras possibilidades e dos sujeitos que a elas se dedicaram”, completa.
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A capilaridade do racismo
Professora do departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Joseli Maria Nunes Mendonça defende que a data deva ser sempre comemorada. “O fato de a escravidão não ser mais uma instituição legalmente aceita em nossa sociedade não é pouca coisa”, afirma. Para ela, ainda que a abolição tenha resultado de muitas lutas travadas também pela própria população escravizada, o processo não se encerrou com a sanção da lei.
A professora destaca o combate às situações de trabalho análogas à escravidão, ainda bastante frequentes no país, e ao racismo que, em sua visão, passou a ser o principal instrumento de segregação da população negra, quando a escravidão deixa de ser a condição pela qual a discriminação se efetiva.
Para a historiadora, as pesquisas historiográficas já mostraram que a liberdade conquistada pelos negros e negras significou a possibilidade de realizar escolhas básicas para o cidadão: qual trabalho realizar, reivindicar contrapartidas justas pelo trabalho, recompor famílias separadas pelas transações de venda na escravidão, frequentar escolas, se organizar por meio de associações, se expressar em locais públicos, dentre outras. No entanto, as expectativas por autonomia e por direitos foram duramente confrontadas por uma parte da sociedade, que se beneficiava da ausência de políticas públicas e das medidas repressivas contra a população negra.
Joseli refuta o argumento das “heranças da escravidão”, e atribui o racismo dos tempos atuais fundamentalmente às políticas instauradas após a abolição. Para ela, isso se constata facilmente na força da oposição que as políticas afirmativas de reparação étnico-raciais recebem dos grupos que se pretendem hegemônicos. “Esse processo histórico instituiu o racismo como uma praga que tem em nossa sociedade uma capilaridade inimaginável. Ele é resultado de injustiças reiteradas caprichosa e perniciosamente nesses 130 anos que nos distanciam da abolição”, arremata.
MAIA, Beatriz. Cinco visões sobre os 130 anos da abolição. Jornal da Unicamp, 14 maio 2018. Disponível em:Habilidade da BNCC
8º ano
(EF08HI20) Identificar e relacionar aspectos das estruturas sociais da atualidade com os legados da escravidão no Brasil e discutir a importância de ações afirmativas.