Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos
Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.)
Editora Companhia das Letras
O trecho a seguir foi escrito pelo professor Robert W. Slenes e pertence à obra Dicionário da escravidão e liberdade, organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes.
Africanos Centrais
Aproximadamente 51% dos 10,5 milhões de africanos escravizados que chegaram vivos às Américas entre 1501 e o fim do tráfico em 1866 eram da África Central: 47% da parte ocidental dessa região e 4% da parte oriental. A cifra correspondente para os 4,9 milhões desembarcados no Brasil é 76% respectivamente 70% e 6% das duas sub-regiões. [...]
Os centro-africanos (mormente jovens adultos, bem mais homens do que mulheres) formaram 74% dos cativos desembarcados nas Américas nas décadas iniciais do comércio atlântico (1501-1650). A cifra caiu a 43% de 1651 a 1725 e 45% de 1726 a 1825, aumentando para 72% entre 1826 e 1866. [...]
[...] Falavam, quase todos, línguas bantu. Eram descendentes de migrantes que saíram dos Camarões cerca de 5 mil atrás, espalhando-se ao sul e a leste, com o tempo absorvendo a maioria dos povos autóctones esparsos. Além desse parentesco linguístico, a África Centro-Ocidental é reconhecida na bibliografia especializada como uma área cultural una: uma região em que as diversidades culturais refletiam adaptações criativas às contingências históricas, a partir dos mesmos princípios cosmológicos e visões do bem social.
A conclusão fica mais forte se olharmos apenas os povos mais duramente atingidos pelo comércio de escravos: os do grupo linguístico que inclui kikongo (falado pelos kongo, nos dois lados do baixo rio Zaire) e os da família de línguas da savana ocidental, área mais ou menos correspondente à atual Angola, que inclui kimbundu e umbundu (falados pelos umbundu e ovimbundu, respectivamente nas hinterlândias de Luanda e Banguela). Os dois grupos se originaram numa corrente de expansão migratória e de integração com autóctones que atravessou a floresta tropical ao sul dos Camarões. Estima-se que tenham divergido de um a língua ancestral comum entre 2 mil e 3 mil anos atrás.
Soma-se a isso a confirmação de que a família de línguas a savana oriental, além da fronteira leste da Angola, tem a mesma origem: não provém de expansões bantu mais antigas que entraram nessa savana vindas do nordeste. Enfim, parte significativa dos cativos embarcados pela costa leste (sobretudo dos portos de Moçambique) falam línguas – e tinham culturas – bem mais próximas historicamente às de outros grupos aqui mencionados.
SLENES, Robert W. Africanos Centrais. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 64-66.Habilidade da BNCC
7º ano
(EF07HI16) Analisar os mecanismos e as dinâmicas de comércio de escravizados em suas diferentes fases, identificando os agentes responsáveis pelo tráfico e as regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados.