ALFREDO BOULOS JÚNIOR

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos

Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.)
Editora Companhia das Letras

O excerto a seguir foi escrito pelo professor Luis Nicolau Parés e pertence à obra Dicionário da escravidão e liberdade, organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes.

Africanos Ocidentais

Com a expressão genérica “africanos ocidentais” designam-se aqueles indivíduos originários da região África Ocidental, cujo litoral se estende do rio Senegal (no atual Senegal) até o cabo Lopez, na linha do equador (no atual Gabão). Na longa história do tráfico atlântico de escravos para o Brasil, que durou de 1550 a 1850, os cativos trazidos dessa extensa região constituíram aproximadamente 25% do total desembarcado no país. Os três quartos restantes (75%) vieram da África Centro-Ocidental (Congo-Angola) e da costa leste (Moçambique). Estudos históricos recentes estimam que chegaram ao Brasil em torno de 1,2 milhão de africanos ocidentais, entre homens, mulheres e crianças. Contudo, o número real foi bem maior, pois, além das viagens de navios negreiros não documentadas, houve muitos escravizados, sobretudo no período do tráfico ilegal, no século XIX, que, para escapar ao controle das autoridades, foram declarados pelos traficantes como procedentes da África Centro-Ocidental, embora sua real origem fosse acima do equador.

Os “africanos ocidentais” eram originários de sociedades política e culturalmente muito variadas, situadas com frequência perto do litoral, mas algumas vezes localizadas em terras interioranas a centenas de quilômetros do mar. Trazidos em caravanas através de longas rotas, esses cativos terminavam embarcados em diferentes locais. A primeira área que tive incidência significativa no tráfico destinado ao Brasil foi a Alta Guiné, que do rio Senegal se estende até o cabo Monte (na atual Libéria). A diversidade cultural dessa região é notória na sua riqueza linguística, destacando-se no litoral, a heterogênea família das línguas do Atlântico Ocidental (wolof, serer, balanta, fula, temne etc.) e, no interior, a mais homogênea família das línguas mandê (mandiga, soninke, bambara etc.). Além das ilhas de Cabo Verde, os principais enclaves do tráfico português nessa zona foram os portos de Cacheu e Bissau (na atual Guiné-Bissau). Calcula-se que os cativos da Alta Guiné perfizeram quase 10% do total dos “africanos ocidentais” transferidos para o Brasil, em particular para o Maranhão.

No entanto, o lugar onde o tráfico lusitano mostrou-se mais intenso foi a Costa da Mina, conforme era chamado pelos portugueses o litoral que se estende a leste do castelo de São Jorge da Mina (no atual Gana) até a faixa do rio Lagos (na atual Nigéria). Trata-se de uma área linguisticamente mais homogênea que a Alta Guiné e nela se falam as línguas da família kwa, a despeito de uma língua do extremo ocidental, como o akan, ser ininteligível para os falantes de uma língua do extremo oriental, como o yorubá. Durante o período do tráfico, as nações europeias (Portugal. Inglaterra, Países Baixos, França, Alemanha, Dinamarca) instalaram diversas feitorias e fortalezas, ao longo de mais diversos de seiscentos quilômetros da Costa da Mina. O tráfico destinado ao Brasil se concentrou, porém, na Costa dos Escravos, como era chamada a parte oriental da Costa da Mina, que ia do rio Volta até o rio Lagos. Nos séculos XVIII e XIX, as principais potencias hegemônicas nessa região foram os reinos do Daomé (no atual Benim) e o reino de Oyó (na Nigéria). No seu litoral, diversos portos, com variável fortuna política, estiveram envolvidos no tráfico, sendo os mais ativos, de oeste a leste: Popo Pequeno, Popo Grande, Uidá, Jaquin, Epe, Porto Novo, Apa, Badagri e Lagos (Onim). Calcula-se que quase três quartos (74%) dos “africanos ocidentais” desembarcados no Brasil provinham da Costa da Mina.

PARÉS, Luis Nicolau. Africanos Ocidentais. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia da Letras, 2018. p. 77-79.

Habilidade da BNCC

7º ano
(EF07HI16) Analisar os mecanismos e as dinâmicas de comércio de escravizados em suas diferentes fases, identificando os agentes responsáveis pelo tráfico e as regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados.