ALFREDO BOULOS JÚNIOR

A África explicada aos meus filhos

Alberto da Costa e Silva
Editora Agir

O trecho a seguir pertence ao livro A África explicada aos meus filhos, escrito pelo historiador Alberto da Costa e Silva.

Arte escultórica iorubá e sua influência

[...] Máscaras ou imagens de corpo inteiro são representações ou receptáculos dos antepassados, dos espíritos da natureza e de outros poderes que regem a vida. Pertencem ao universo do sagrado. Ou, quando menos, têm motivação e fins religiosos.

Todas?

Nem todas. Os escultores africanos faziam também peças para o puro prazer estético. Como uma bela colher, a ter por cabo uma figura feminina. Além disso, nos grandes reinos, podiam estar a serviço do Estado e do soberano e esculpir para a glória destes. Como, porém, os reis eram seres sagrados, encarnações de deuses ou intermediários entre as divindades e os homens, é difícil, muitas vezes, considerar uma escultura de corte como inteiramente despida de função religiosa.

No caso dos chamados bronzes de Benim, por exemplo, tudo indicaria estarmos diante de uma arte de corte, destinada a celebrar o poder e a grandeza do soberano. As grandes placas que cobriam os pilares das varandas do palácio do obá nos mostram, em alto-relevo e com uma profusão de pormenores, não só o rei em seu esplendor, cercado por nobre e serviçais, mas também guerreiros em plena batalha ou cenas da vida diária, como um caçador a espreitar um passarinho no alto de uma árvore. Boa parte da escultura do Benim, tanto em ligas de cobre quanto em marfim – e estas são igualmente belas – destinava-se, porém, aos túmulos dos reis mortos.

Sob o teto de palha que protegia esses túmulos, que eram verdadeiros santuários, viam-se as cabeças em metal de obás e rainhas-mães a servirem de base para presas de elefante finamente trabalhadas, e, de corpo inteiro, leopardos, galos, músicos, mercadores, cavaleiros e até mesmo soldados portugueses. Os artistas benimenses queriam, sem dúvida, descrever o que viam, guardar para sempre, numa escultura em redondo ou numa placa em relevo, um momento de glória ou a beleza de um instante. Mas o destino da maioria de suas peças eram os altares nos quais se cultuavam os reis mortos.
[...]

Qual foi a reação dos europeus a essas esculturas?

De surpresa com a alta qualidade técnica da fundição das peças e do trabalho quase em renda da superfície do metal. Mas poucos, pouquíssimos, foram, num primeiro momento, capazes de perceber a extraordinária beleza de suas formas, pois era distinta daquela a que estavam acostumados. Já quando, poucos anos depois, eles tomaram conhecimento da escultura de Ifé, a reação foi de assombro, misturada à descrença de que uma arte que se assemelhava, em sua pureza de formas, à da antiga Grécia pudesse ter sido produzida por povos que eram tidos por primitivos ou bárbaros.

O próprio Leo Frobenius, o arqueólogo alemão que primeiro revelou ao resto do mundo a arte de Ifé, chegou a acreditar que estava diante do que sobrara da lendária Atlântida, ao encontrar, em 1910, no bosque sagrado dedicado ao orixá do oceano, Olocum, várias terracotas e uma cabeça em bronze que pareciam ter saído das mãos de gregos da Antiguidade.

Mas não foram as esculturas de feições puras e serenas de Ifé, nem as saídas das oficinas do Benin, tampouco as estátuas em madeira de ancestrais feitas pelos hembas do Congo, que não se afastavam do que consideramos realismo – isto é, da reprodução do que os olhos veem, ainda que a seguir certos padrões fixos e beleza –, as que viriam a causar um impacto avassalador sobre a arte de nosso tempo. Foram outras. O que deslumbrou alguns jovens artistas europeus, no início do século XX – rapazes como Derain, Picasso, Matisse, Braque, Kirchner, Bracusi e Modigliani –, foram sobretudo as esculturas de ancestrais e as máscaras de danças rituais daqueles povos africanos sem estados poderosos, de formas tão distantes e até contrárias ao que se fazia na Europa. Esses jovens pintores e escultores deslumbraram-se com o que vinha da África e tomaram como exemplo as suas lições.

Foi com admiração e humildade que eles se aproximaram daquelas máscaras de fatura delicadíssima feitas pelos dans da Costa do Marfim e da Libéria, nas quais as feições se simplificam numa testa abaulada, num nariz fino e ligeiramente arrebitado, num queixo pontudo e numa boca entreaberta, tendo, no lugar dos olhos, dois buracos redondos, se a representação for de homem, e duas fendas estreitas, se de mulher.

Foi, porém, com espanto e entusiasmo que eles pararam diante de outras máscaras dans, nas quais a delicadeza era substituída pela brutalidade das formas. Pois aqueles mesmos artistas dans faziam outros tipos de máscaras, que nos aprecem ferozes e saídas de pesadelos. Numa delas por exemplo, o rosto alongado termina, sem queixo, numa boca aberta enorme que, do mesmo modo que a testa abaulada, se projeta para a frente. O nariz quase não se nota, de tão pequenino, e, em vez de olhos, temos dois cilindros grossos, ocos e salientes.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2012. p. 73-76.

Habilidade da BNCC

7º ano
(EF07HI03) Identificar aspectos e processos específicos das sociedades africanas e americanas antes da chegada dos europeus, com destaque para as formas de organização social e o desenvolvimento de saberes e técnicas.