ALFREDO BOULOS JÚNIOR

História moderna

Paulo Miceli
Editora Contexto

O trecho a seguir pertence à obra História moderna, escrita pelo historiador e professor Paulo Miceli.

Erasmo de Roterdã e o Elogio da loucura

[...] O Elogio da loucura – escrito em 1509 e publicado em 1511 – conservou ao longo de praticamente 5 séculos grande valor cultural e notável qualidade, especialmente pela defesa incondicional que Erasmo faz da liberdade, como fundamento indispensável para a educação das pessoas, jamais admitindo a sua subordinação a qualquer instituição detentora de poder social. Em seu caso e à sua época, foi contra o domínio que a Igreja mantinha durante séculos sobre a educação e a cultura que ele dirigiu sua poderosa crítica, e já que não era possível “escolher os próprios pais ou a pátria, cada um pode moldar sua personagem pela educação”. [...]

Sem tentar estabelecer qualquer tipo de tipologia sobre a loucura, Erasmo considerava a infância e a juventude como a melhor fase da existência, já que a vida mais agradável é a que se vive sem nenhuma espécie de sabedoria. Na fase adulta, entretanto, segundo a própria loucura, os homens consideram ter atingido seu pleno crescimento, e é aí que as experiências começam a torná-los sensatos. Entretanto, aí, a beleza da vida começa a se apagar e, à medida que os homens se afastam da loucura, a vida os abandona cada vez mais. Quanto à velhice, todos os mortais dependem do auxílio direto da loucura para suportá-la sem entregar-se a ela, que transforma os velhos que estão à beira do túmulo, trazendo-os de volta à idade feliz da infância.

Mas, segundo o autor, sempre falando pela boca da loucura, a juventude e a velhice só diferem pelas rugas que marcam o rosto da segunda, já que os cabelos escassos, a falta de dentes, o pouco cuidado com o corpo, as bobagens que saem pela boca, a memória não educada; enfim, tudo aproxima inteiramente as duas idades.

Erasmo também aproximava a amizade da loucura, ao considerar que, quando fechamos os olhos para os defeitos dos amigos, tornando-nos cegos ou coniventes com seus vícios que até apreciamos é algo muito próximo da loucura. E o que pensar, então, do casamento, uma instituição prejudicial aos dois lados e que deveria ser respeitada “enquanto é um purgatório” e “desfeita quando se tornasse um inferno”. Que homem, pergunta Erasmo, exporia o pescoço ao jugo do matrimônio, se tivesse em mente suas desvantagens? Que mulher aceitaria um homem se considerasse os perigosos trabalhos do parto e interminável fadiga de criar os filhos?

Em síntese, como ensinou Erasmo, a pior de todas as loucuras é, sem dúvida, tentar ser sensato em um mundo de doidos [...].

Alinhando-se ao pensamento de Erasmo, Foucault também considerou que só através da loucura o homem pode libertar-se dos grilhões da razão, ou, como afirmou o autor quinhentista, “rir de tudo é coisa dos tontos, mas não rir de nada é coisa dos estúpidos”, já que só podemos alcançar a perfeita sabedoria, onde habita a felicidade, através da loucura.

Enfim, caro leitor, como escreveu Erasmo, “vejo que esperais uma conclusão. Mas sois realmente tolos se acreditais que depois de me entregar a tal efusão de palavras, eu ainda me lembre do que disse. Adeus, então! Aplaudi, bebei, vivei, ilustres iniciados da Loucura”.

MICELI, Paulo. História moderna. São Paulo: Contexto, 2013. p. 72-74.

Habilidade da BNCC

7º ano
(EF07HI04) Identificar as principais características dos Humanismos e dos Renascimentos e analisar seus significados.